Além do mel, abelhas ajudam no aumento de produtividade de lavouras em Canarana-MT
O mel é o único alimento da natureza que não estraga. Após anos, o produto pode mudar de textura, de cor, e até se solidificar, mas ainda assim, continua apropriado para o consumo. Em Canarana-MT, a apicultura ocorre desde a fundação do município. Recentemente, contudo, além do próprio mel, os apicultores começaram a consorciar suas criações com a agricultura, auxiliando também no aumento da produtividade de grãos.
Um dos produtores mais tradicionais do município é Lauri Biguelini. Ele possui entre 120 e 150 caixas de colmeias, com 50 a 70 mil abelhas cada (dependendo a época do ano) espalhadas em 12 fazendas parceiras, em reservas florestais, próximas à áreas de lavoura. Lauri coleta atualmente, entre 2,5 a 3 toneladas de mel por ano. Segundo o último levantamento feito pelo IBGE, em 2017, a produção anual de mel é em média de 41.594 toneladas no país e vem aumentando. Grande parte do que é produzido é exportado para 14 países como Estados Unidos, Canadá e China.
Lauri Biguelini, já era familiarizado com a apicultura desde o Rio Grande do Sul, sua terra natal, Estado maior produtor do país, responsável por 22,6% da produção nacional. Quando se estabeleceu no cerrado mato-grossense em 1986, Lauri conta, em entrevista para a AGRNotícias, que admirou-se com a facilidade com que as colmeias se desenvolviam no bioma e experimentou arriscar. Na época, foram instaladas duas melgueiras. “Então eu vi que naquela antiga pista de avião, na avenida São Paulo, que tinha os pneus metade enterrado no chão e metade pro lado de fora, todos estavam com abelhas. Naquela época a gente não tinha dinheiro e nem onde comprar tábua, então eu falei pro meu filho: vamos preparar uns pneus e tentar. Deu certo e logo eu arrumei mais 15 colmeias”, conta Biguelini. Hoje as abelhas que cria são da espécie abelha-europeia (Apis mellifera). As “caixas”, parte são tradicionais, de madeira, e parte com a reutilização/adaptação de pneus.
Fonte de energia e antioxidante, o mel é um produto que esteve presente na alimentação humana nos últimos 3 mil anos, em praticamente todas as civilizações e culturas. As abelhas fabricam o produto a partir do néctar das flores. “Em março a gente tira o mel das águas, que não é um mel muito bom, pois tem muita umidade. Para se ter uma ideia, a abelha deixa o mel com entorno de 22º de umidade, que precisa ser trabalhado. A segunda coleta é o mel da safrinha, que pega as flores do milho, do gergelim e da crotalária. A terceira safra ocorre em agosto e setembro, com a florada das árvores do cerrado, o melhor mel”, explica Lauri.
Abelhas e Agricultura
A prática de consorciar a criação das abelhas em áreas próximas à lavouras produz, além do mel, um incremento na produção agrícola. A ideia, embora não seja nova, vem ganhando destaque nos últimos anos. O engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa, Décio Luiz Gazzoni, por exemplo, publicou em 2017 o livro “Soja e Abelhas”, que a partir de uma série de estudos, estabelece a ligação entre as culturas e os benefícios mútuos de um consórcio entre elas.
Um estudo publicado pela IJRSAS (International Journal of Research Studies in Agricultural Sciences) na Índia em 2018, revelou que o gergelim (S. indicum) é uma planta altamente nectarífera e polinífera que obtém benefícios da polinização por insetos. O consórcio entre apicultura através da abelha européia e o cultivo da planta, conforme o estudo, promove um aumento da taxa de frutificação, de aproximadamente 15%, com resultados positivos e significativos na produção de frutos/cápsulas, no número de sementes por fruto/cápsulas, bem como na qualidade das sementes. Portanto, o uso de colmeias perto dos campos de gergelim promove o aumento da produção de sementes desta oleaginosa.
A prática do cultivo de abelhas próximo à lavouras traz relatos positivos não só para o gergelim, mas também para outras culturas de safrinha e até para a soja. Em Canarana, Lauri Biguelini afirma que tem retorno de produtores de propriedades com alocação de caixas próximas, que apresentaram, conforme explica, “um aumento na soja de até três sacos por hectare, na safrinha até mais”.
O produtor Arami Dall’Asta, que tem em suas áreas caixas alocadas de Biguelini, disse que mesmo a soja não precisando de insetos polinizadores, há um incremento na produção quando tem criação de abelhas. Arami também disse que na safrinha o consórcio de culturas não é só recomendado, mas necessário. “No caso da crotalária-juncea, em áreas maiores, é necessário que tenha bastante abelhas para que haja a polinização, pois a juncea não se poliniza. A nossa parceria é mais por conta da juncea”, disse Arami.
O açougueiro canaranense Oscar Zimmerman, que também é apicultor nas horas vagas, em entrevista para a AGRNotícias, disse que trabalha na produção de mel há 15 anos no município, e que também já identificou aumento de produtividade em lavouras próximas à florestas onde deixa as colmeias, recebendo inclusive demanda dos produtores. “Eu não tenho propriedade, mas as colmeias são colocadas em fazendas a pedido dos proprietários, para as abelhas polinizarem as culturas que eles plantam, como soja, milho, gergelim”.
A produção de mel dos apicultores de Canarana é quase toda vendida localmente, com apenas uma parte que segue para grandes centros, como Cuiabá e Goiânia. Há a oportunidade para o crescimento do consórcio de culturas. “Calculo que menos de 1% da área do município é utilizada para a produção de mel, então a demanda é crescente”, diz Biguelini, que mesmo assim não planeja aumentar a produção, por falta de mão de obra qualificada. Já Oscar, diz querer expandir, pois “a região é muito boa, tem muita área verde e pretendo aumentar a produção, porque tem muita procura, principalmente de outros municípios”. Contudo, o produtor diz sentir falta de cursos e assistência técnica para poder crescer na atividade.
O preço praticado do mel na região varia entre R$ 20,00 a R$ 40,00 o quilo, dependendo da qualidade. Geralmente o produto é comercializado em bisnagas, em garrafas e tonéis. O retorno sobre o investimento de cada “caixa” para colmeia, costuma ser de 1 ano e meio.
Por AGRNotícias. Foto Capa: Edna Maria Cosme dos Santos – Embrapa Algodão. Foto Lauri Biguelini: Vida Nova FM. Demais fotos: Cedidas.