A tecnologia e a falta de mão de obra num cenário de evasão do campo
Um jovem de 16 anos, filho de produtores rurais no interior do município de Canarana-MT, que desde jovem ajuda os pais na propriedade própria. O cenário é perfeito para que este jovem dê continuidade ao ofício dos pais e mantenha a propriedade produtiva. Mas ele detém outros planos: quer ir morar em grandes centros, estudar e tomar um rumo diferente para sua vida. Ele ouviu do seu pai a frase “Estude para não sofrer o que eu sofri”. Até então, só mais um caso típico de evasão do campo. A surpresa, contudo, vêm quando ele é questionado sobre o que acontecerá com a propriedade em que cresceu e viu seus pais trabalharem por décadas: “Acho que a propriedade será vendida”.
O relato é verídico e é apenas um dos 19 questionários coletados numa pesquisa informal da AGRNotícias numa escola de um distrito no interior do município de Canarana. Existe uma afirmação de que o desenvolvimento de novas tecnologias pela indústria de maquinário agrícola e as novas fórmulas de defensivos agrícolas estão cada vez mais tirando o emprego de trabalhadores no campo e forçando justamente a evasão do campo. Por esse argumento, os jovens abandonam as propriedades rurais e vão em busca de novas carreiras sem ligação com o agronegócio, sob o argumento de que não há área de atuação disponível para todos. Atualmente, todavia, o cenário está sendo olhado sob nova ótica.
Para o presidente do Sindicato Rural de Canarana, Alex Wisch, essa realidade está resultando numa ação contrária paliativa. Alex Wisch, que também é produtor rural e cultiva uma área arrendada de 500 ha, afirma que na própria família pode identificar a falta de opções tanto para sucessão, quanto de mão de obra para ajudar no cultivo da safra. Para ele, a crescente tecnologia também “foi o meio encontrado para suprir a falta de mão de obra no agronegócio, por conta do êxodo rural que há anos ocorre não só no Mato Grosso, mas no Brasil e em vários países em desenvolvimento”. As novas tecnologias, menos dependentes de coordenação e ação humana, vem suprindo cada vez mais a falta de mão de obra externa e familiar.
Maioria dos jovens não quer ficar no campo
A AGRNotícias aplicou um questionário em alunos com idades entre 14 e 18 anos que estudam no 9º Ano do Ensino Fundamental e nos três anos do Ensino Médio. O objetivo do questionário foi entender se os alunos anseiam permanecer no meio rural ou se mudar para outras cidades, bem como, se aqueles que almejam permanecer, estariam preocupados com a preparação técnica para assumir as propriedades.
Ao todo 19 alunos responderam às perguntas. 12 deles disseram que pretendem ir embora. Destes, todos querem fazer faculdade e o curso de agronomia, curiosamente, é o que tem a maior preferência. Entre todos, apenas dois pretendem fazer o curso superior em Canarana e os demais em outras cidades. Três deles são filhos de donos de propriedade rural e os outros de trabalhadores rurais. Aos alunos foi questionado qual é a realidade que eles veem entre os estudantes da zona rural, sendo que a maioria das respostas é que a grande parte dos jovens quer ir embora em busca de mais oportunidades de trabalho, por julgarem que elas não existem na região. Os três estudantes que são filhos de proprietários disseram que, provavelmente, o imóvel ficará a cargo de parentes ou será vendido.
Entre os 07 estudantes que pretendem continuar morando no interior, a maioria trabalha ajudando os pais na lavoura e na lida com o gado. Dois são filhos de proprietários e os demais de trabalhadores rurais. Os cinco jovens filhos de trabalhadores rurais querem fazer um curso superior sem precisar se deslocar para grandes centros (mantendo-se próximo à família) e o curso mais desejado também é o de agronomia. A maioria destes que pretendem ficar no interior querem trabalhar em outras atividades em relação às atuais que exercem.
Falta de mão de obra na zona rural
O questionário demonstra que os jovens da zona rural, em sua maioria, não querem suceder os pais, seja no comando da propriedade ou como trabalhadores rurais nas diferentes funções. Para Alex Wisch, o avanço da tecnologia no campo vem pra suprir a falta de trabalhadores. “Essas tecnologias não estão tirando a vaga do trabalhador, mas sim suprindo a falta dele”, diz. Para o presidente, há vagas de trabalho na região, mas elas requerem especialização, conhecimento. “Os produtores de mais idade têm dificuldades em assimilar essas novas tecnologias. Já os mais jovens têm mais facilidade, contudo são poucos os que querem aprender”, complementa.
Wisch diz que as entidades que representam o agro, como o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), em parceria com os sindicatos oferecem diversos treinamentos gratuitos para a população, como cursos de aplicação, plantio, manutenção, operação de máquinas agrícolas. Todavia, Alex salienta que “somente esses cursos não são o suficiente para um trabalhador conquistar um serviço no campo, mas já é um início. Esses treinamentos, para a pessoa que já tem conhecimento, ajudam muito. Para quem não tem conhecimento, se fizer o curso e tiver força de vontade consegue trabalho. Para o produtor, não é fácil contratar uma pessoa que nunca sentou numa máquina e só fez um curso. (…) Operar uma máquina agrícola é diferente de um carro que você só dirige e cuida para não bater nos outros. Tem plantadeira com 48 linhas, então o operador precisa cuidar do trator e de mais 48 linhas”, disse Alex.
Enquanto muitos não querem ficar no campo e uma boa parcela dos que desejam trabalhar no agro não tem qualificação, a indústria vai inovando cada vez mais. “Hoje você tem máquinas 100% autônomas e um operador pode comandar três máquinas ao mesmo tempo. A ideia, afinal, é que o pai comece a dizer aos filhos: estude para poder colher o que eu colhi”, finaliza Alex Wisch.
Por AGRNotícias.