Opinião – Ilegalidade na responsabilidade, criada pela Sefaz-MT, para imputar contra terceiros (produtores rurais) infrações cometidas pelo remetente – Por Raul Tulio
Antes de começar esse assunto preciso destacar como isso está ocorrendo. Simplesmente a SEFAZ-MT está determinando que o Terceiro de boa-fé, geralmente os produtores rurais, que adquiriram algum tipo de insumo e posteriormente o Fisco declarou que a empresa remetente é inidônea ou fantasma. Ora! O Produtor Rural não sabia disso, não foi ele quem abriu a empresa e quando ele fez a compra ele confiava porque existia uma CND do remetente emitida pela SEFAZ-MT.
Vamos entender como é a tese do Fisco. No Regulamento do ICMS do Estado de Mato Grosso, o RICMS como é conhecido, que na verdade é o Decreto nº 2.212/2014, vinculado a Lei nº 7.098/1988, a Lei do ICMS. Em tese, e o cidadão espera isso, todos os dispositivos do Decreto RICMS eram para estar diretamente ou indiretamente ligados a algum dispositivo da Lei do ICMS, ao menos é isso que determina o art. 99 do Código Tributário Nacional, recebido pela Constituição Federal como Lei Complementar Geral de Normas Tributárias.
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.
Essa introdução é importante para esclarecer o tema deste artigo, porque, a SEFAZ-MT criou “inventou” uma responsabilidade solidária para terceiros. Essa história começou em 2016 quando o Fisco descobriu um esquema de fraudes fiscais (operação grão podre, e operação fake paper) e, a meu ver, causada pelas próprias falhas e incapacidades técnicas de fiscalização do órgão.
Pessoas que, algumas estão presas, criavam empresas para não pagar impostos, só que, no entanto, essa fraude cresceu tanto que o dinheiro acabou circulando no próprio estado, com venda de insumos e compra de grãos.
Nesse ponto, é importante lembrar que não podemos ser ingênuos, pois, sabemos que os grãos têm destino certo, poucas empresas são as reais compradoras dos grãos no Brasil, portanto, não aduz razão para a SEFAZ criar uma responsabilidade solidária para terceiros que não alcança essas empresas que realmente estão com os grãos.
Só para fechar o argumento acima, não tem como o Fisco dizer que é impossível saber onde foi parar o grão, porque todas as notas fiscais são eletrônicas já faz um tempo e, isso está na base de dados do Fisco. Mas vamos falar sobre a responsabilidade solidária de terceiros. Foi adicionado o Artigo 18-C e seu parágrafo único na Lei 7.098/1998 um artigo que imputava responsabilidade solidaria contra terceiros, independente da sua conduta.
ARTIGO – Marco Temporal: a segurança que o Brasil precisa
Art. 18-C Responde solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, o profissional de Contabilidade, responsável pela escrituração fiscal e/ou contábil do contribuinte, no que pertine a prestação de informações com omissão ou falsidade. Parágrafo único respondem, também, solidariamente com o sujeito passivo pelas infrações praticadas, em relação às disposições desta lei e demais obrigações contidas na legislação tributária, no que se refere à prestação de informações com omissão ou falsidade, o administrador, o advogado, o economista, o correspondente fiscal, o preposto, bem como toda pessoa que concorra ou intervenha, ativa ou passivamente, no cumprimento da referida obrigação. (Acrescentado pela Lei 9.226/09)
Apesar de ser de 2009, essa legislação teve uma aplicação mais efetiva após as operações acima comentadas. Mas esse artigo não sobreviveu muito tempo, assim que começou ser aplicado, também foi questionada a sua constitucionalidade através da ADI nº 4.845-MT, promovida pela OAB-MT. No julgamento da ADI o STF determinou que é inconstitucional e proferiu a
seguinte tese:
“É inconstitucional lei estadual que disciplina a responsabilidade de terceiros por infrações de forma diversa da matriz geral estabelecida pelo Código Tributário Nacional” Depois, quando o Fisco viu sua tese perecer, continuou mesmo assim, aplicando posteriormente o Art. 937, §1º, do RICMS, sob pretexto de estar apoiada no CTN. A SEFAZ-MT não desiste de correr atrás do Produtor Rural, da pessoa que produz, do terceiro de boa-fé. Voltando falar sobre o tema, não poderia ser outra a Decisão do STF, pois, é norma constitucional (art. 5º), que a pena ou a penalidade nunca passará da pessoa que praticou a conduta.
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Mas, a decisão do STF ainda precisa de um esclarecimento, porque fica a dúvida, quais são os terceiros determinados pelo CTN – Código Tributário Nacional. A resposta já está nos artigos 134 e 135, específicos, e no artigo 137, todos do CTN.
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus
tutelados ou curatelados;
III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos
devidos por estes;
IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa
falida ou pelo concordatário;
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício,
pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou
perante eles, em razão do seu ofício;
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de
pessoas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior;
II – os mandatários, prepostos e empregados;
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado.
…
Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:
I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou
contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular
de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no
cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;
II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do
agente seja elementar;
III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente
de dolo específico:
a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por
quem respondem;
b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus
mandantes, preponentes ou empregadores;
c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas
jurídicas de direito privado, contra estas.
Somente os terceiros acima, exclusivamente os previstos nos artigos 134 e 135, podem ser responsabilizados por atos, não quaisquer atos, mas, os que podem ser entendidos como Fato Geradores de tributos, que não praticaram, ora! pela simples leitura, são bem óbvias essas responsabilidades. Vamos além, como o CTN é a norma Geral recebida pela Constituição, e, foi objeto da Tese firmada pelo STF acima mencionada, devemos observar e entender que o Art. 137 dispõe sobre a responsabilidade por infrações e determina que: “é pessoal do agente”.
Portanto, concluindo o Tema deste artigo, não existe responsabilidade solidária de terceiros por infrações. Cada agente é responsável pela sua conduta e, havendo penalidade específica para a sua aplicação, sendo impossível alcançar terceiros.
Importante alertarmos a população que a SEFAZ-MT imputou essa responsabilidade contra inúmeros contribuintes e que estão sofrendo com essa arbitrariedade. Portanto se você tem um auto de infração onde esteja mencionado o Art. 18-C, ou o Art. 937 do RICMS, ou o Art. 124, inciso I, do CTN, você tem direito de anular essas cobranças.
Além da SEFAZ-MT ter aplicado vários autos de infrações com essa tese, ela não lançou o ICMS contra praticamente nenhum deles, apenas uma penalidade que posteriormente foi incluída num REFIS com 90% de desconto. A pergunta que ainda está sem resposta é, como fica o IPM – Índices de Participação dos Municípios, a participação dos Municípios está incluída nestas penalidades que foram cobradas, ou eles têm direito aos 25% da arrecadação somente do ICMS que foi recebido e, terão que devolver agora com a flagrante ilegalidade esclarecida?
Serão cenas dos próximos capítulos.
Assista o nosso vídeo onde explicamos os detalhes desta ilegalidade praticada
pela SEFAZ-MT.
Cuiabá-MT, 05 de outubro de 2023.
Por Raul Tulio – Contador, Advogado, Tributarista e Professor.
*As opiniões expressas pelos colunistas não refletem a opinião da AGRNotícias, sendo o autor do texto, responsável pelo conteúdo.